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O rapaz, o pesquisador e o tempo

Davi tinha uma única preocupação e esta era seu trabalho de História, cujo tema seria o pesquisador Alfred Russel Wallace. Ele precisava de fontes, é claro, e, por algum motivo, nunca gostou tanto de pesquisar na Internet. Por mais que seus amigos o chamassem de antiquado e seus pais dissessem que deveria aproveitar as vantagens da tecnologia, Davi decidiu ir até a biblioteca de sua cidade para ler livros sobre o assunto.

Belém era uma boa cidade, definitivamente, por mais que fosse quente e úmida. Davi apreciava seu clima e admitia não gostar de lugares frios. Estava mais que pronto para iniciar sua pesquisa. Pegou alguns livros, sentou-se à mesa e pôs-se a ler. O jovem passou horas na Biblioteca Pública Arthur Vianna, entretido com a história de Wallace. Tão entretido que, com o rosto apoiado nas mãos e os cotovelos sobre a mesa, adormeceu por poucos segundos.

Quando abriu os olhos em um susto, Davi precisou piscar várias vezes para ter certeza de onde estava. Ao seu redor, estava tudo diferente. Não havia as mesmas prateleiras de antes e as paredes eram diferentes. A biblioteca pública estava com sua aparência antiga. Davi arregalou os olhos, angustiado. Um homem adulto, bem mais velho que ele, o encarava com uma expressão desconfiada, o que fez o garoto se encolher.

As roupas também não eram comuns. Ou as de Davi que não eram? O homem vestia um terno de estilo antigo e não parecia tão velho assim, mas até o modo com que usava sua gravata era diferente. Davi o observou bem, atento. Quem visse essa cena de fora poderia achar engraçado o jeito que o jovem de quinze anos, vestindo calças jeans e uma blusa de algodão, encarava com estranhamento nos olhos o homem de barba e terno esquisito.

— Esse país é realmente muito diferente — murmura, intrigado. — Nunca vi alguém assim na Europa.

Ele falava inglês, e Davi foi capaz de reconhecer seu sotaque britânico. O rapaz sabia coisa ou outra no idioma, então, como a biblioteca parecia mais deserta do que nunca e não havia ninguém para ajuda-lo, resolveu tentar conversar com o homem.

— Europa? O que aconteceu com essa biblioteca? E-Eu estava lendo por horas, acho que acabei dormindo, e aí...

— Oh, você deve ser um jovem pesquisador!

— O quê?

— Mas parece ser alguém moderno! Esse tipo de roupa, nunca vi nada igual. Parece tão suave. Não deve sentir calor usando isso em um clima como o daqui, mas você congelaria no País de Gales. Meu velho país... não há montanhas aqui como há lá. Lugar montanhoso, aquele. É bom viajar nessa estação, tive sorte, os navios não estavam tão cheios. 

— Navios? País de Gales? O País de Gales, aquele da Europa?

— Ora, em qual outro seria?!

— Não sei... nunca fui a nenhum, só ouvi falar no de lá. Não vejo muitos estrangeiros aqui. O senhor veio à passeio?

— Óbvio que não! Vim para realizar uma das minhas pesquisas! Devo aproveitar a diversidade da região, pretendo descobrir espécies novas e analisá-las.

— Descobrir espécies?

— De fato. Preciso saber de onde elas vieram. Ainda há muito no mundo a ser desvendado! Já morei em muitos lugares do continente, garoto, e nem Londres, nem Gales e nem a menor das cidades da Grã-Bretanha é diversificada como aqui.

Davi encarou o homem com desespero, olhando ao redor e folheando os livros em cima da mesa, sem se importar com o estranho observando suas roupas. Ora, até os livros de lá eram totalmente diferentes dos que estava lendo! Todos pareciam antigos. Será que...

— Senhor... em que ano estamos?

O homem riu.

— Que pergunta é essa? 1849, é claro.

O garoto teve que se apoiar na mesa para não cair, tamanho choque. Então é verdade mesmo, ele voltou no tempo! Observou o homem por alguns segundos, estranhando o fato de começar a achá-lo tão familiar, mas antes que pudesse perguntar seu nome, ele o fez primeiro:

— E como você se chama, jovem?

— É Davi.

— Prazer em conhecê-lo, Davi!

Eles apertaram as mãos, e o rapaz estava pronto para fazer mais perguntas, quando ouviu uma voz chamar alguém:

— Alfred! Temos que ir, o sol já vai se pôr — Outro homem de barba apareceu, também com roupas estranhas e sotaque inglês.

As coisas aconteceram muito rápido depois disso. O suposto Alfred despediu-se apressadamente e o outro sequer se importou em apresentar-se. Alfred sorriu e apertou a mão de Davi uma última vez, até que ambos partiram da biblioteca tão repentinamente quanto quando chegaram. Davi, em choque, jogou-se na cadeira mais uma vez, cansado. Seus olhos se fecharam novamente em um piscar rápido, e, quando percebeu, estava de volta ao tempo atual, com os mesmos livros a sua frente.

Olhou ao redor e tudo parecia normal, mas, quando abriu uma das obras, a imagem do homem na folha o fez arregalar os olhos.

Era Alfred Russel Wallace, o estranho pesquisador galês que estava no Brasil no ano de 1849, ou, surpreendentemente, a cinco minutos atrás.

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